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Da Medida Protetiva de Urgência quanto ao Porte de Arma de Fogo

na Lei nº 11.340/06: A necessidade de uma decisão clara.

 

10/05/2016

 

Por André Nascimento

 

A Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006, conhecida como “Lei Maria da Penha” é um importante mecanismo legal criado para coibir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher, por meio de várias medidas protetivas a serem aplicadas pelo juízo competente. [1]

 

As medidas vão desde o atendimento pela Autoridade Policial, diante da iminência ou da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, passando pelo procedimento judicial, com aplicação de medidas protetivas de urgência, e finalizando com a assistência judicial, por equipe de atendimento multidisciplinar, e com disposições acerca da criação de varas especializadas.

 

O presente artigo tem como objetivo analisar os termos da aplicação da medida protetiva de urgência que obriga o ofensor a cumprir especificamente a providência prevista no art. 22, inciso I, da referida lei, qual seja, a suspensão da posse ou a restrição do porte de armas.

 

Sem excluir a importância das demais medidas protetivas constantes na referida lei, a providência a que se refere o art. 22, inciso I, possui grande valor quando o suposto agressor é detentor do porte de arma de fogo, seja ela de uso permitido ou de uso restrito[2]. Além do mais, a vítima da violência doméstica também pode vir a sofrer um mal maior se a referida medida protetiva não for determinada de forma clara.

 

O art. 22, inciso I da “Lei Maria da Penha” versa que, “constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, dentre as medidas protetivas de urgência, a suspensão da posse ou restrição do porte de armas, com comunicação ao órgão competente, nos termos da Lei no 10.826/03”, essa última conhecida como “Estatuto do Desarmamento”.

Importa salientar que qualquer pessoa está sujeita a figurar como autora de um fato que caracterize violência doméstica, sobretudo aquelas que atuam na área de segurança pública, e que possuem como instrumento de trabalho uma arma de fogo regularmente registrada. Pois é nesse ponto que o juízo competente, ao aplicar a medida protetiva prevista no art. 22, inciso I, da “Lei Maria da Penha”, deve ser o mais claro possível, a fim de evitar interpretações equivocadas.

 

Como citado, o referido artigo traz a hipótese de aplicação de suspensão da posse ou restrição do porte de armas ao sujeito acusado de supostamente ter cometido o crime de violência doméstica. Pressupõe-se que a suspensão ou restrição aqui tratada se refira a uma arma regular, ou seja, devidamente registrada e com autorização para seu porte, nas hipóteses em que necessário.

 

O art. 6º, do “Estatuto de Desarmamento” lista as pessoas que podem portar legalmente uma arma de fogo, dentre elas as pessoas previstas no art. 144, inciso I, da Constituição Federal[3].

 

Essas pessoas podem portar, em todo o território nacional, uma arma de fogo de uso permitido ou de uso restrito, pois a referida permissão é imprescindível à sua atividade profissional, pois estão quase que constantemente em situações de risco de morte.

 

A “Lei Maria da Penha” versa que a pessoa que praticar alguma conduta que configure violência doméstica estará sujeita a várias determinações “que obrigam o agressor”, como por exemplo, a suspensão da posse ou a restrição do porte de armas.

 

Apesar de parecidas, as duas expressões, suspensão e restrição, não se confundem. Como leciona SANCHES, “suspender tem o sentido de privar temporariamente a utilização da arma. Pode o juiz, com efeito, determinar que no curso do processo o agente seja proibido de portar arma de fogo”[4]. Por outro lado, “restringir tem acepção de limitar. Assim, pode o juiz, por exemplo, determinar que um policial porte sua arma apenas em serviço, deixando-a em seu local de trabalho ao final da jornada, evitando-se, com isso, que a tenha consigo no recesso do lar”[5], ou em situações privadas.

 

Percebe-se que o termo suspender denota privação temporária, além de se apresentar como uma medida mais constritiva. Já o termo restringir pressupõe limitação, ou seja, possui caráter menos restritivo. Portanto, são claramente distintos os significados dos dois termos.

 

Por possuírem significados distintos, os referidos termos devem restar devidamente esclarecidos quando da determinação pelo juízo competente de uma medida protetiva de urgência que obrigue o agressor a poder portar ou não sua arma de fogo.

 

Imaginemos uma situação hipotética: um servidor público, membro de uma das forças de segurança pública, atuante em missões oficiais, sigilosas e perigosas em pontos de fronteira seca do Brasil. Esse mesmo servidor público é considerado suposto autor de uma conduta que configuraria ato de violência doméstica e, por essa razão, se vê diante de uma decisão judicial que lhe aplica a medida protetiva de suspensão da posse ou restrição do porte de armas, ipsis litteris o texto da lei.

 

Perceba que, na situação hipotética acima, a referida decisão que aplicou a medida protetiva não explicitou de forma clara o que pretendia: se a suspensão da posse ou se a restrição do porte. Com efeito, o órgão competente – onde o servidor é lotado - foi devidamente comunicado da decisão judicial, e obedecendo-a, recolheu a arma de fogo do servidor público.

 

Em função da obscuridade da decisão do juízo competente, o referido servidor se viu obrigado a exercer as suas funções de alto risco sem poder portar a sua arma de fogo, o que não é prudente.

 

Diante da situação hipotética apresentada, fica claro que o juiz, ao determinar a aplicação da medida protetiva de urgência de suspensão da posse ou restrição do porte de arma de fogo, deve esclarecer com todas as letras o que pretende, sob pena de submeter o suposto agressor a diversas situações de risco, sobretudo de morte. Corrobora para esse entendimento o fato de que membros das forças de segurança pública, quando em serviço, muitas vezes precisam estar armados 24 horas por dia, a depender do tipo de missão que tenham que cumprir, e do local onde esta missão será cumprida.

 

Por outro lado, há que se atentar para a situação de risco que corre a vítima de violência doméstica diante da falta de clareza da decisão judicial. Caso a decisão a ser cumprida não determine com clareza o dispositivo a que o agressor está sujeito, e esta for interpretada como restrição e não como suspensão, estará a vítima à mercê de novas situações de violência, quiçá situações de risco de morte.

 

Voltando ao exemplo apresentado, suponhamos que, ao interpretarem a ordem judicial, o agressor e o órgão competente entendam que não se trata de suspensão, medida mais constritiva, e sim de mera restrição, medida menos constritiva. O agressor poderá portar a sua arma de fogo em serviço, entregando-a ao seu chefe direto quando do final do expediente.

 

Conclui-se, portanto, que o juiz competente, ao determinar a aplicação da medida protetiva prevista no art. 22, inciso I, da Lei nº 11.340/06, deve deixar bem claro o que pretende com a sua decisão, se é a suspensão da posse ou se é a restrição do porte de arma de fogo pelo agressor. Agindo assim, o juízo evitará, tanto que o servidor, membro de força de segurança pública, seja colocado em situações de risco no desempenho das suas atividades profissionais, quanto que a vítima fique sujeita a novos episódios de violência doméstica, exposta inclusive a situações de risco de morte, atendendo aos fins a que se propõe a “Lei Maria da Penha”, cujo escopo principal é a proteção da mulher contra atos de violência doméstica.

 

________________________

 

[1] Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências.

 

[2] Nos termos do art. 10 e 11, do Decreto 5.123/04 que regulamentou a Lei no 10.826/03 - “Estatuto do Desarmamento”.

 

[3] CF. Art. 144. A segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidade de todos, é exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio, através dos seguintes órgãos: I – polícia federal, polícia rodoviária federal, polícia ferroviária federal, polícias civis, polícias militares e corpos de bombeiros militares.

 

[4] CUNHA, Rogério Sanches. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha, comentada artigo por artigo. 5. ed. ver. atual. e ampl. -  São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 146.

 

[5] CUNHA, Rogério Sanches. Violência Doméstica: Lei Maria da Penha, comentada artigo por artigo. 5. ed. ver. atual. e ampl. -  São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 146.

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